30/09/2016

Ela fala tanto # 10

Era eu, plácida, no recesso do lar onde habito, e ela adentrara minhas portas há coisa de cerca de minutos atrás. 
Não sei a que, nem a de quem propósito, porque se me escapam sempre os intróitos dela, os preâmbulos e, mais adiante, os epílogos, mas raramente os enredos, desata ela a desfiar este rosário:
- Ela é mulher para ter sessenta, ou sessentas e tais, e ainda se veste como se tivesse menos vinte anos.
Depois deve ter-se lembrado que ela própria tem menos vinte anos, veste-se como se tivesse menos vinte anos do que tem (e aparenta mais dez), sentiu que descarrilara, e afinou, desacertada: 
- A mulher veste-se como se tivesse vinte anos!
(Afinal não sou só eu que, quando quero emendar a mão, entalo a outra.)
Enquanto isto, mirava-me eu ao espelho, pronta para voar pela porta por onde ela aterrara, e fotografava-me. 
- Mas será que as pessoas não têm noção? Não veem que já não se podem vestir assim?
Não se podem vestir assim, pensava o meu pensamento preconceituoso. Não podem vestir-se assim. 
Foi quando eu, que me visto como se tivesse menos vinte anos para aí desde os vinte anos, imbuída de régias reflexões, verti em silêncio, Por que no te callas? —, ainda acrescentando, aos gritos mentais — ¡coña!


(Trata-se da mesma pessoa que distribui a minha roupa para o quarto das minhas filhas.)

[Post ilustrado sob o inquestionável incentivo de Big Palmier.]

(Sandalete cinzenta, já agora.)


Uma espécie de receita-segredo da eterna juventude

Derrota a dor da ausência, encurta a da distância.
Abraça a despedida como um princípio e não como um fim.
Ama a uns e a outros como alguém nos amou a nós.
Não dês o corpo às balas, nem ao manifesto, nem a quem não to merece.
Não dês a cabeça às pedras, nem faças das pedras um castelo. — Os castelos têm masmorras.
Não faças um bicho de sete cabeças, mas faz de seis se te for mais conveniente.
Não faças das tripas coração, o contrário também não farás.
Não faças das fraquezas forças, precisamente pelos mesmos motivos.
Não ponhas os pontos nos ii, também não irás acentuar todas as palavras.
Não abras um buraco no céu, há tempestades que nunca deveriam desabar.
Mata saudades como um assassino profissional.
Mata a própria morte, irreal certeza maior.


29/09/2016

Eu vou dizer-vos o que é que, verdadeiramente, me irrita quando vou meter gasolina naquele posto

Não é chegar e ter que considerar as várias hipóteses de bomba onde parar meu boi: quero uma cuja pistola fique à direita, lado do depósito, pois aquela cena de esticar a mangueira em todo o contorno da traseira dele, dispenso. Além do que há umas que têm uma mangueira tão curta que ainda me vejo na contingência de ter que chegar o desgraçado à frente. Quero também uma que não me obrigue a pagar gasolina evologic, só por uma questão de princípio: eu ponho em o boi o que me apetecer, e não o que alguém por mim manda.
Não é esperar numa fila de pessoas que se perdem a comprar árvores de cheiro para o carro e pacotes de batatas fritas para o bucho.
Não é chegar à caixa e ter um funcionário a chamar-me menina a torto e a torto, a tentar impingir-me pastilhas e a cantar "Eu não sei o que é que te hei-de dar" em repeat.
Não é o ritual de carregar no botão do depósito, meter a mala dentro do carro, fechar e trancar as portas, abrir a tampinha, meter a pistola lá no buraco do meu bichinho e pôr a cara número três vou-fingir-que-não-acho-esta-cena-algo-porn.
Nada disto.
Mas aqueles últimos cinquenta segundos, que é o que dura meter os últimos cinquenta cêntimos de gasolina, gota-a-gota, cêntimo-a-cêntimo, são coisa para me deixar mesmo, mesmo nervosa dos nervos.

(Nota mental: quando ganhar o Euromilhões, tranco a pistola nesses últimos cêntimos e vou à minha vida. O próximo que os aproveite.)

Murphy diz que, quando está mau, ainda pode piorar, não é?

Grande sábio, esse meu.

Preciso que ela convença o marido a estar num determinado local, a uma determinada hora, para o bem de muita gente. Ele está reticente, resistente, teimoso qual mula (velha). São só vantagens, o que o espera, mas, mesmo assim, nega-se a estar. Então, ligo-lhe.
(É claro que vai estar, a minha especialidade é gente que faz género só para ser o centro das atenções. Hei-de doutorar-me — já tenho título para a tese e tudo: "A birra no adulto com idade para ter juízo".)
Ela responde-me que já falou com ele, e que lhe parece que ele está inamovível. (Termo meu, ela disse qualquer coisa como "chato".)
Talvez em desespero — pois há que justificar este meu Tourette —, sugiro:
- Ó mulher, faz greve de sexo!
Foi o silêncio, do lado de lá, que me gritou que talvez tivesse posto o dedo num ponto nevrálgico, ou numa ferida, ou lá o que é — passo as duas expressões, é claro. 
Podia piorar? Podia:
- Pá, pronto, então faz greve de te lavares!


28/09/2016

Tudo eu, tudo eu

Entro na papelaria e quero perguntar se têm multibanco.
- Olhe, já têm micro-ondas?

Quero dizer-lhe que podemos ir àquele lugar no fim-de-semana.
- Vamos lá no pequeno-almoço.

Entrego o cartão MB ao funcionário da caixa.
- Olhe, só um momento, que eu não sei onde é que pus o cartão de multibanco, no meio desta confusão toda.

(Adoro os ares com que me brindam.)
(Gente sem sentido de humor.)


Ai, que sona.

Tenho sono. Tenho sempre sono. Ando em jet lag constante, sem nunca me meter num avião. 
Faz-me sono dormir pouco. Faz-me sono dormir muito.
Faz-me sono aturar chatos. Faz-me sono aturar-me a mim, que também sou chata cumá potassa quando não calha.
Faz-me sono o calor. Faz-me sono o frio.
Faz-me sono a fome. Faz-me sono a sede.
Faz-me sono o vinho tinto. E a música. (Nota mental: nunca os juntar.)
Faz-me sono assistir [ainda que seja] a um [bom] filme. Faz-me sono ler [ainda que seja] um [bom] livro.
Faz-me sono a praia. Faz-me sono o campo. E o ar rarefeito da montanha, esse então. E a cidade também, um bocadinho.
Faz-me sono andar de carro. (Ao volante, ainda me safo.) E de comboio. Até andar a pé me faz sono.
Faz-me sono assistir a palestras. E a conferências. E a convenções. E a colóquios. E a reuniões. E a lições. E a sermões. Nem me falem em rezas.
Faz-me sono o barulho das gentes. Faz-me sono o silêncio de tudo.
Faz-me sono a desocupação. Faz-me sono o cansaço.
Faz-me sono o susto. Faz-me sono o medo. E a inquietação.
Faz-me sono esperar. 
Faz-me sono o sono.

[São quase 9 da manhã e tenho tanto sono, depois de uma noite de oito horas, que até tenho os olhos em sangue. Isto é uma vergonha tão grande, que vou pôr uma hora qualquer da madrugada na publicação deste coiso. Desculpem estar a tentar enganar-vos, mas é importante para mim: nunca publico às primeiras horas do dia — porque as durmo — e, neste momento, acho que é extremamente blogger da minha parte fazê-lo.]

27/09/2016

Quem és tu, miúda?

Estava a pessoa a pintar os cabelos no salão da minh'Ana — logo, portanto, a iludir-se que disfarça as marcas que a vida não fácil lhe imprime, oh, indelével! —, quando se depara com um anúncio, pespegado numa daquelas revistas que por ali pululam como piolhos (infeliz metáfora para o local em questão, reconheço).


Pois bem.
Eu, que tanto amo de paixão quase carnal a língua portuguesa, pretendo pôr os pontos nos ii desta verdadeira questão fracturante, que é chamar miúda a tudo quanto é cepo até à idade da tripeça. Chamar miúda a uma mulher de mais de 25 — e já estou a ser generosa — equivale, na estrita acepção dos termos, a chamar velha a uma mulher de menos de 25 — hoje estou um poço de generosidade. É uma ironia —, e, por isso, desagradável —, uma hipérbole —, e, como tal, havia de ser assim tomada —, um eufemismo —, que, como tal, tem como intenção suavizar, substituindo-a, uma expressão ofensiva. Por qualquer razão que me escapa, a idade dos 35 é aquela, por excelência, em que todos os amigos chamam miúda a uma mulher, provavelmente por não poderem chamar-lhe tia. Ou avó. Eufeminam o termo.
Ora, convenhamos: isto vem na senda daquela teoria bacoca de que os 30 são os novos 20 e que os 40 são os novos 30. Não são, não. Migues, enquanto pensarem assim, vosso corpo continuará a somar os anos que lhe correspondem, só que na década seguinte à que julgam ter. Vossos úteros amadurecerão (vá que não disse envelhecerão, hoje acordei assim. Já ligo para o Patriarcado, a saber se há lá vaga para uma canonização), vossas trompas esvaziarão. Continuarão a sentir-se umas miúdas, mas o corpitcho não percebeu o recado e desistiu de esperar. Mas, em compensação, haverá médicos, namorados, maridos, mães e amigas que vos aturarão a neura da infertilidade. Fora, é claro, as figuras que andarão a fazer por esse mundo fora, a sentirem-se umas garotas, de mochila às costas e a acampar nos festivais de música, no meio de... miúdas (true, true, são mais frequentes do que pensais, que eu possuo fontes). 
Não confundais jovialidade com atraso no amadurecimento, pelo vosso bem e da Humanidade. Miudagem já nós cá temos que chegue, e faz o seu papel na perfeição. 
(Hoje acordei JAS?)
(Ou há coisas que nunca mudam? Eu já sou assim, velha e rabujenta, há anos. Em compensação, julgo que tenho menos dez anos do que tenho na realidade. Ou vinte? Continuo a achar que os meus pais fizeram o mesmo que os pais daqueles jogadores de futebol, sabem?, só que ao contrário: registaram-me muitos anos antes de eu nascer. Ainda nem se conheciam, pelas minhas contas.)

(Do Patriarcado continuam a não atender. Vou experimentar com número oculto.)


26/09/2016

Parabéns, minha querida

Coincidimos nas datas e nos factos todos, talvez por sermos uma da outra.
Eu fui nascer no mesmo dia em que haviam nascido dois filhos da sua mãe.
Começámos a namorar no mesmo dia, com vinte e cinco anos de distância.
Tivemos ambas duas filhas, e depois uma criança que não nasceu — e afirmamos a pés juntos que seria um rapaz, porque sabemos que sim. 
(O meu nasceria no dia 26 de Setembro, mãe.)
Acabei o meu curso no dia do seu aniversário, a prenda maior — não a melhor — que consegui dar-lhe na vida.
Foi em anos terminados em 6 que chegámos, e há-de ser por isso que é neste ano de 6 no fim que ambas arredondamos a idade. 
E é neste dia em que, para muito longe que seja que a vida nos esteja a levar uma da outra, estaremos juntas, sempre, como para sempre desde aquele dia, faz décadas daqui a dias. 


Pudesse eu hoje dar-lhe a ouvir Carlos do Carmo

25/09/2016

Tipos de tipas que mais valia ficarem em casa a enfardar bolachas, mas, por qualquer razão que me escapa, frequentam ginásios

1. A que põe a toalha em sinal de ocupação de uma máquina; faz do programa de treino um leque; abanica-se ao espelho. e. fica. a. mirar-se. enquanto. se. abanica. e. uma. pessoa. espera. e. espera. nem. que. seja. por. nove. meses. até. que. dali. surja. uma. crisálida. ou. um. cisne. mas. é. que. não. — Ontem conheci esta categoria e ainda não parei de sofrer por ela.
2. A que faz pendant entre a calça, o top, a meia, o téni, a fita que prende o cabelo, a toalha, a garrafa, e, quem sabe, a cueca. — Conheci em tempos uma que imprimia o plano de treino na mesma cor da garrafa e o colava nela. Haja toner.
3. A que não percebe que o preto não emagrece. — Só não engorda. [Eu sou um bocado esta. Chiu. Chiu. Chiu. Chiu.]
4. A que conjuga rosa desmaiado nas calças com amarelo histérico no top. — Despendant gritante também não.
5. A que monopoliza a máquina de glúteos, só faz glúteos, tem os glúteos mais hiper-desenvolvidos do universo. — E uns braços que não se percebe.
6. A que ainda não se deu conta de que milagres, só em Fátima. — E, mesmo aí...
7. A que não percebe que ser gordinha não é crime nenhum. — Antes gorda e com os órgãos todos no lugar do que magra e desenxabida.
8. Eu.


23/09/2016

Ando a deixar rasto por aí

Por me conhecer tão bem como a mais ninguém, exactamente como as palmas das minhas mãos, ou melhor ainda, tenho o cuidado de fixar o sítio onde fica o carro, cada vez que o deixo num daqueles parques em que tudo são colunas, cores, números, pontos de encontro e sistemas de fixação do lugar através de uma máquina que nos dá o papel. Quando estou mais fora da caixa, ou longe de mim, fotografo o número do lugar (existem parques cujos lugares têm números de quatro dígitos, e vá que nunca me calha o 1111), por causa das coisas.
Deixei meu boi perfeitamente estacionado num lugar de privilégio — assim o senti —, por ser em frente do elevador, e deserta estou eu para andar a cansar as pernas para mais do que o que já canso, fui-me à selva urbana, sobrevivi com um vestido novo debaixo do braço, e foi no regresso ao parque que pensei que tinha entrado na quinta dimensão: o lugar estava lá, mas o boi não, e, pior, estava outro, no espaço onde o tinha deixado. 
Espaços escuros, e eu; espaços de paisagem uniforme e eu; espaços fechados e eu; espaços onde só passam carros e eu. Uma suadeira. Puxar pela memória? Mas como é que se puxa por uma coisa que não se tem? (E não, isto não é uma piada dessas.) Pensei em tudo: que me haviam rebocado o boi e tinham lá posto outro, só para me baralhar; que meu boi havia ganho asas e voado, como naquele filme que vi em miúda; que talvez o tivesse posto noutro sítio, e era apenas uma questão de o procurar. Corri a zona, usei o truque da chave, aprendido numa outra vez que me aconteceu coisa semelhante (obrigada, Silent, mas ainda não foi desta que resultou), até que parei diante do sítio onde tinha a absoluta certeza de o ter deixado, olhando o lugar, incrédula, furiosa, transpirada e a sentir surgir em mim aquela vulcânica vontade de fazer A birra, deitando-me para o chão a chorar, quero a minha mãe!, quando passou um segurança, num daqueles carrinhos, e desabafei, entre soluços reprimidos:
- Deixei de saber onde está o meu carro...
[Não disse "perdi o meu carro", porque não era essa a verdade.]
E ele, como uma voz do Além, como um adivinho dos bruxedos, como um profissional experiente em assuntos semelhantes ao meu, como se já me conhecesse, a mim e a meu boi (e será que não?), respondeu apenas:
- Minha senhora, a senhora deixou o carro no - 2.

(Já devo ter ficha em determinados locais.)

Quando as aspas ou o itálico fazem uma falta fulcral

É que há pessoas que levam tudo ao pé da letra. Ou ao pé da orelha. Ou dão nas orelhas a quem escreve estas coisas. Orelhas moucas é que não. Olhem, bloqueei nesta cena das orelhas. Ardem-me.

Do tal jornal, ontem
(Viram? Não me esqueci do itálico.)


22/09/2016

Passava das quatro da tarde

Vinha naquela descompensação que só eu sei, o corpo a lembrar-me o não-almoço, a alma a dizer-me precisas de alimento.
Encontrei-o acabado de sair da cama, naquele que era o seu último sábado de férias. A hormona do crescimento é produzida durante o sono, e isso vê-se-lhe. 
Vamos almoçar?
Ainda não almoçaste?
Não, e tu?
Sorrimos, iguais, pergunta inútil sem resposta útil a quem vem de dormir uma noite tão longa.
Almoço a desoras, vamos ao que há.
Ensina-me a fazer arroz.
Ensino. Começo por deitar o arroz no fundo do tacho.
Queres um ovo?
Quero.
Como um pequeno pedaço de peito de frango — de que não gosto, mas me sabe a mel —, o ovo que ele cozeu e descascou para mim, e me sabe a chocolate —, salto o arroz que ensinei fazendo, e decido que não quero mais nada — estou absolutamente satisfeita.
Vamos repartir uma meloa?
Vamos. 
Afinal, ainda havia lugar para mais um pouco de felicidade.

21/09/2016

A verdadeira e única razão para o divórcio de Pitt + Jolie

Ela foi sempre uma visionária. Andou para arrancar os dentes todos, que eu lembro-me.

Mas ninguém cala este homem? # 9


I wonder why.

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar a passear à rua # 51

Atravessava segura a pessoa as avenidas, calções floridos de flores torneantes, à hora de ponta pedonal que é a do almoço, por entre pinos e traves plásticas delimitadores da obra que Santa Engrácia, a padroeira, encomendou sabe-se lá a que presidente de Câmara, com as habituais delongas, pensando para com o fecho éclair e um único botão,
Se eu fosse presidente da Câmara, mandava pintar todos os prédios de azul, 
quase exactamente como um ali mesmo ao pé, especificamente como um que está parado num azul de céu bom nos Restauradores, à rua das Pretas, 


quando pára diante do sinal vermelho que a obriga a parar — não vá vir de lá um, e a cada um a sua vez —, lado a lado com uma mulher de calças pretas, e é surpreendida por uma voz feminina, mesmo atrás de si, que quase grita para aquilo que traz dependurado da orelha:
- Pá, 'tá aqui uma gaja com um cu que tu não imaginas. 
Vai que a pessoa ainda se detém mais detida, reclusa do espanto, presa por um fio do pensamento liceal à solta MQÉEM?, a mala pesadíssima a baloiçar na manita, Olha, tu queres ver que é hoje que há uma que sente o peso disto na dentadura?
Talvez porque a linguagem corporal é a que grita mais alto, continua a destravada, esclarecendo:
- A gaja está com umas calças de plástico, a imitar pele, mas tem um cu que havias de ver. Mesmo fixe.
E vá que o sinal abriu para verde, avançou a pessoa, avançou a do cu e avançou a telefonista; a pessoa, agastada, abrandou o passo para tentar "perceber": uma, verdadeiro saco de gatos, o plástico preto contendo dois à briga, bamboleantes, flácidos, gigantescos; a outra, mal uma criança, dezasseis anos de vento em popa, ou talvez em proa, todo na cabeça. 
E prosseguiu, considerando a alta probabilidade da veracidade do estudo que diz que o abuso do uso de telemóveis frita as sinapses.
Fssssh.


20/09/2016

Numa escala de zero a dez, quão estranho é o teu gato? # 10

Ou tu?

A minha casa, como qualquer lar civilizado que se preze, tem bichos de prata, ou peixinhos-de-prata. Desde que temos gatas que eles diminuíram em quantidade, quer porque não são parvos e vão chatear para outras bandas, quer porque elas os comem. Nunca provei, mas imagino que sabem a peixe, a avaliar pelo nome e pela gula com que elas os tragam. A regra é aparecerem mais nas casas-de-banho e cozinha, provavelmente por preferirem azulejos, ou então zonas com humidade.
Vi passar um bicho de prata e Dona Molly andava por ali. 
Ah, esqueci-me de frisar que não mato bichos. Nem mesmo estes. Passo-lhes um papel por baixo do corpo e atiro-os pela janela. (São invertebrados, calma.) (Moro num segundo andar, mais calma.) (Tenho o cuidado de os atirar para um vaso, ou simplesmente deixo-os na varanda, mais calma ainda.) Quando não estou para ter esses trabalhos, assusto-os e obrigo-os a esconderem-se.
Não sei o que é que me ocorreu desta vez. Acho que quis testar os olhos (dos quais desconfio de uma séria miopia) da gata, e também a sua esperteza (da qual desconfio de uma séria miopia). Chamei, "Molly, olha o bicho!", e a fulana nem ó burro queres água. Insisti, "Molly, um bicho!", e pu-la diante dele. Ela viu-o, deu-lhe com a pata, ele iniciou a fuga, ela deu-lhe duas, ele deu-lhe gás, ela deu-lhe três, ele ó patas para que te quero, ela deu-lhe a quarta, de misericórdia, já eu pulsava de culpas, remorsos e arrependimento, que são todos praticamente sinónimos, e se resumem naquela dor espinhosa que nos atravessa a cabeça e o imaterial que é a alma. 
Ela comeu-o, não sei se semi-vivo, se é que isso existe, sobretudo depois de tão refinada sessão de tortura.

Nunca mais duvido das capacidades [de me fazer repensar as minhas prioridades] daquela gata.

19/09/2016

Desnidificação

Fomos deixá-la na nova casa, longe demais para chegarmos lá num salto, perto o bastante para estarmos perto. A certeza da saída deu-se há dias, quando o computador mostrou os resultados, e deu «colocada». Saímos de armas e bagagens, que é como quem diz, pois que desarmados até aos dentes, que também é uma força de expressão. 
Loiça arrumada, cama feita, malas vazias, veio o momento do abraço, aquele que diz fim e princípio. Vá-se lá perceber como é que a minha mais pequenina é a maior, foi como agarrar no meu próprio corpo, beijos nas bochechas de bebé e porta-te bem. 
Vim sem uma lágrima, sem um suspiro, sem um ai Jesus.
Estou cada vez mais dura e mais seca.
Chegou a hora de jantar, instalou-se, e, com ela, uma sensação de desarrumação e vazio. 
As gatas, como boas gatas, soberanamente indiferentes: uma, prepara-se para entrar na terceira idade — não me chateiem —, a outra, não sai da primeira infância — cambada de chatos
Falta-me a Mel. Também. 
Lavei a gaiola dos passarinhos com o afinco e a dedicação de sempre. 
Devia soltá-los.

18/09/2016

And that awkward moment # 15

Em que vais dizer adeus, já não volto cá, não contem mais comigo, e te respondem

...

...

...

Está bem?

Está bem!?
Está bem???
Nem um Oh? Ou um Ó que pena?
Puxa, magoei. Transtornei. Estupefiz. 
Esperava um Tenha calma, pense bem, volte quando quiser, mi casa es tu casa, disponha, comande
Esperava uma cara surpresa, uma perturbação no olhar, uma lágrima, uma dor de desalento no semblante.
A bruta olhou-me nos olhos (nuxóio!) e disse:
Está bem
Ainda esperneei, que gostava muito de ali estar, e que a função é muito interessante, mas que não se enquadra na minha formação nem na minha educação, e não é que ela me responde...
Está bem?
Já não se fazem líderes como antigamente, com a sensibilidade de um capataz para umas coisas e de uma virgem imaculada para outras. Esta é toda ao contrário. 
Ainda bem que me despedi.
Está bem, está.

17/09/2016

Na minha casa, quando falta o café

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar a passear à rua # 50

Hoje venho abordar a temática da retrete. Sinto que é chegada a altura, nomeadamente porque me vi na contingência de ter que ir comprar um tampo novo para uma das minhas duas. 
Chegada à superfície comercial, eu, que só queria um tampo redondo, e que até podia ser branco, deparei-me com possibilidades várias, as quais apresento — todas com marca d'água, não vá alguma copiona plagiadista levar-me pics desta qualidade artistico-humorista —, para que não julgueis que minto, ou sequer exagero. 
Ele há-os para todos os cus gostos. 

Assim, fiquei logo presa de amores pela chic. Qualquer pessoa humana minimamente ambiciosa e classuda, daria um braço (ou uma nalga) para poder sentar-se num trono desta categoria.


Gostei também bastante desta, pela lógica tecnológica (passe o pleonasmo), que lhe está subjacente. Temos o pause na tampa, o play no encosto. Para uma descoordenada como eu, é perfeito. Melhor do que isto, só ao som de stop and stare.


Vi também o modelo ideal para quem, como eu, tem saudades da praia todo o ano, numa subreptícia alusão à praia da Cruz Quebrada, tipo união da defecação com os areais sem fim.


Ou então, o modelo amantes da Natureza, essa grande devassa.


No final de contas, e porque sou uma pessoa que sofre de falta de originalidade e vistas largas, fiz minha a regra dos informáticos, que lhes dita que, na dúvida entre máquinas igualmente boas, deves sempre escolher a que tiver as mamas maiores. Assim, trouxe o azul.


Mas, enfim, como a minha vida nunca pode ser um mar de rosas, estes meros tampos de sanita, verdadeiros Legos para adulto, sob a forma de kit de montagem, têm sempre que constituir irresolúveis e intrincados quebra-cabeças, más charadas, ou então boas piadas. Refiro-me aos manuais de instruções, cujo desenho das peças nunca corresponde à realidade com que me deparo:



Alguém encontra a semelhança entre as peças apresentadas no desenho e as que a caixa continha?
Eu também não.
Devo ainda acrescentar que vinha em falta uma peça de atarrachação de um dos lados, pelo que — como explicar isto sem ferir susceptibilidades? — temos agora um tampo semi-deslizante, que nos obriga a manobras de equilíbrio verdadeiramente épicas, fazendo com que corramos o risco de nos despencarmos... e... pronto. Mas também, por outro lado, fazendo com que corra o risco o AKI* de levar comigo já hoje, no propósito de resgatar a peça que me pertence por direito (e vamos lá a ver se consigo reprimir a vontade de explicar a teoria do slalom cagadeiro). 
No entanto, tenaz que sou, montei o tampo. Lindo. Azul. Just like Linda Blue.

* Ninguém me paga para me calar.

16/09/2016

22 anos de mãe

Eram 9:40 do dia mais nascido do ano, e vieste tu, para me fazer mãe. A partir daí, nunca mais deixei de ser, dos meus e dos filhos dos outros — quantas vezes mais velhos do que eu —, dos bichos e das plantas, de tudo o que tenha vida e respire como tu a partir daquele dia. O médico trocou-me as voltas, mas não as voltas à vida que havia em mim, quando me impôs que dormisse enquanto nascias, por temer — o medricas — que eu perdesse o controle, imagina, logo eu, que nunca perdi o controle desde aí, a não ser de cada vez que me cheira a perigo ao pé de ti e do resto da ninhada que te seguiu. Foi um acordar tortuoso, aquele meu, dorido e gelado, sons e vozes ao fundo — e, no entanto, e sobretudo, todo cor-de-rosa, cor de ti, tão pequenina e redondinha, vestida com a camisinha azul que também foi minha quando cheguei. Tu, tão minha, eu, para sempre, tua.


15/09/2016

E este é um amor que não acaba jamais

Começámos por ir de mãos dadas, rua acima, a dele pequenina dentro da minha, incapazes os dois de largar o elo, apesar de a travessia se fazer por passeio e terreno de terra e silvas. Abraços e beijos de até já.
Depois, íamos lado a lado como antes, as mãos já soltas, a conversa à solta. Beijo, só um, de até logo.
A seguir, fomos de carro, mesmo até ao portão — porque a travessia se fazia por estrada e passeios com gentes que sabe-se lá —, conversa ritmada ao sabor do coração, beijo à despedida, um dia feliz.
Passámos então a ir de carro à mesma, apeado ele uns metros aquém do portão, conversa a espaços, silêncios necessários, umas vezes com, outras vezes sem beijo, até logo.
Hoje saiu pelo seu pé, beijo nenhum, até logo no vozeirão de homem que agora usa, os olhos enormes, tanto quanto as mãos onde já cabe inteira a minha. 
(Um destes dias, chega ao portão com outra pela mão.)
E este é um amor que não acaba jamais.


Aos meus desaparecidos

(actualizado)

Conforme alguns já terão dado por ela, ando a construir, tijolo a tijolo, a minha lista de leitura cá do buraco. Todos os dias está maior, porque todos os dias lhe coloco mais um blog.
Lá nos confins do meu sistema secreto, constam, como sabem — ou passam a saber —, 66 blogs, não contando com aqueles que espreito mas não assino o livro de visitas, à cobarde voyeur. Desses, há 15 que não têm actividade há meses, senão anos. (Alô, Arisca, alô Lambisgóia, are you there? Miss you, pá...) Desses, há 15 que me fazem falta, mas que parece que não voltarão ao activo, salvo uma ou outra rara e honrosa excepção, que voltaram com outro nome. (Ainda bem que voltaste, madrinha G.) Desses, há 15 que eu gostaria de ver ali ao lado, mas que vou apenas guardar na minha lista privada, à espera que o regresso se dê, de uma forma ou de outra, ou então aceitando que ele não aconteça, porque a vida também é feita de partidas. De qualquer maneira, quero agradecer-vos terem feito parte da minha vida, Rainha, Pandy, Nada, Impy, Cat, e mais sei eu. E ei!, ainda aguardo — sentada, é certo, mas só porque sou uma preguiçosa empedernida e também já não vou para nova —, ok?

Imagem daqui

14/09/2016

Eu tenho problemas com tudo # 15

São as borrachas dos auriculares. Aquilo vem em kits de quatro, a acompanhar cada par deles: duas borrachas de cada tamanho, pensa o fabricante que para canais auditivos mais abertos, ou então mais estreitos. Comigo, a coisa não se processa assim: como tenho a mania que sou diferente, tenho também um canal de cada tamanho — se na orelha direita o auricular assenta que nem uma luva da Ulisses*, já no esquerdo parece que nem orelha tenho, pois que cai. É por isso que tenho que botar borracha pequena no esquerdo e maiorzinha no direito, tal e qual os meus pés, que calça o 37 o direito e o 36 o esquerdo. (Esperem por eu ser rica e vão assistir à primeira sapataria em continente e ilhas com sapatos avulsos. Mesmo até povo que não aguente pagar os dois, é livre de comprar um só e sair ao pé coxinho.) São, portanto, pés de Cinderela-dama-pé-de-cabra os meus. Mas já me estou a desviar cerca de 1,60 metros na conversa, que há-de ser a distância entre os meus pés e as minhas orelhas. A verdade é que as borrachas dos auriculares me colocam, mesmo sem as colocar no devido lugar, grandes problemas, para além desse, que é pessoal e intransmissível, da assimetria entre canais: é que as perco. Elas saltam, como pulgas. Desaparecem lá para a nuvem das borrachas invisíveis. E não me adianta o par sobresselente que cada caixa traz: essas são logo as primeiras a desaparecer, não sei se para os fundilhos de uma gaveta, ou para o diabo que as carregue. Chego a considerar se não terei uma vasta colecção dessas borrachas encostada aos tímpanos, tamanha é a capacidade que tenho vindo a adquirir para só ouvir o que me interessa e me faz feliz. Ao contrário do que seria de esperar, a minha audição melhora de dia para dia. Talvez o deva às borrachas acumuladas nos tímpanos.

* NMPPI

13/09/2016

Pontaria

Era uma festa infantil, subordinada ao tema Tartarugas Ninja. Fui-me à loja de brinquedos, determinada a comprar uma coluna de som com uma das tartarugas, e também uns auriculares a condizer, tudo muito matchi-matchi. Ignorando qual a tartaruga preferida do aniversariante, escolhi a da venda azul. (Sou tão previsível.) Quando comecei a ver dos auriculares, apercebi-me que só havia com a venda vermelha e com a venda cor-de-laranja. Refiz a intenção e peguei na coluna e nos auriculares da tartaruga com a venda vermelha (Raphael). O rapaz, meu Capitão Cuecas, apareceu-me com uma mascarilha de Raphael. Perguntou-me a mãe como é que eu adivinhei qual era a tartaruga preferida dele. Respondi segundo o raciocínio que fiz:
- Benfica —, quando a verdade é que isto são muitos anos a virar frangos.


Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar ao supermercado # 43

Nem sequer online.

Vou procurar por comida para Bernardo e Bianca. Não está em canários, não está em periquitos, tem que estar em catatuas e outras aves. É que eles são outras aves
E fico a saber que os coelhos também ganharam asas, ali para as bandas da casa do tio Mimiro. Red Bull, é o nome do fenómeno, passe a publicidade.


E ainda há quem goze com as crianças da cidade, por não saberem de onde vem o frango.

12/09/2016

Já sei que vai chover

Uma das gatas está passada. Já andou a voar sobre todas as costas dos sofás, por cima de mesas e móveis, com aquela expressão focinhal de quem viu o diabo que nos carregue, cruzes, canhoto, salvo seja três vezes, lagarto, lagarto.
Agora sei que fui gato noutra encarnação. Também me apetece ficar passadinha cada vez que está para chover. E fugir do diabo, como da cruz.

Olhe, por favor, pode só dar um olhinho às minhas coisas?

São estranhos, e são-me estranhos, quem estranhamente me pede que lhe tome conta dos pertences, aninhados sob o guarda-sol, enquanto vai ao mar. Quem lhes diz — que quem vê caras —, que eu não sou uma gatuna disfarçada de pessoa boa, ou então não sou — e é que sou, mas isso eles não sabem nem sonham — a maior distraída do planeta, ou, se não, pelo menos da praia toda? Tanto posso fixar toda a atenção de que sou capaz no espaço que me pediram para guardar, qual cão de fila, como basta que me voe rasante uma joaninha, voa, voa, e lá se me vai a incumbência pelos ares, atrás das asas de pintinhas pretas. Portanto, existe uma hipótese em mil de eu ser a pessoa certa para cumprir tal desígnio, mas, vá-se lá saber porquê, é a mim que toca, indiferentemente de pouco parar na toalha, e isso é coisa que qualquer um dos outros que me rodeia pode constatar logo aos dez minutos de vizinhança. 
Lembro-me das barracas, todas alinhadas junto às rochas, numa primeira fila de quem chega à praia, última de quem vem do mar. À frente, uma fileira de toldos, outras vezes duas, conforme o mar estava de feição, e de manhã estava sempre. Eram de pano-cru grosso, branco também ele cru, aquelas barracas da Caparica, enquanto nas praias de todo o país as plantavam de lona riscada de grosso. Em poucos dias, se faziam vizinhas vovós, titis e babás (que, na altura, se chamavam empregadas, ou criadas), trocando receitas, projectos de crochés, artes de tricôs e competências no espalhamento de cremes, entre o Benzibel e o Nivea da lata azul. Protegiam-nos com gordura branca, espessa, incómoda, e com um cheiro de infância que nunca mais nos abandonou a pele e os sentidos. Creio que foi nessa época que nasceu a vizinhança de confiança, a quem se podia entregar a barraca inteira, enquanto se acompanhava as crianças ao mar: Importa-se de tomar conta da minha barraca, enquanto eu vou ao mar com as crianças?, jeitinho que era retribuído pouco tempo depois. 
Por isso, não sei como é que alguém me confia a sua barraca, poucos minutos após aterrar na areia, logo a mim, a quem as pintas das asas de uma joaninha são capazes de levar toda a atenção.

11/09/2016

Numa escala de zero a dez, quão estranho é o teu gato? # 9

Uma das gatas só adopta bonecos felinos.
Teve, em tempos, um pequeno tigre da marca Nici*, pelo qual se desvelava, brincando, protegendo, exercendo o boneco os papeis de cria, presa, companheiro, brinquedo. Um dia, de seu nome Tigrinho, foi-lhe raptado por uma gata vadia que nos entrou porta adentro em férias, e nunca mais ninguém o viu. Nessa altura, a marca já não vendia tigres, e eu vá de comprar um polvo cor-de-rosa, da mesma marca, achando que do que ela gostava, efectivamente, era do tecido, ou do cheiro dos bonecos. Mas nem pensar que ela lhe ligou alguma importância, até ao dia em que consegui encontrar um leopardo à venda. E agora lá anda ela, com seu Leopardinho na boca, miando e cuidando dele, escondendo-o debaixo das camas, dormindo encostada a ele. 
Ou seja, apenas aceita como cria, presa, companheiro ou brinquedo, bonecos que pertençam à sua "família". Tudo o mais, ignora, com aquela soberba de que só um gato é capaz.



* com o selo NMPPI


10/09/2016

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar a passear à rua # 49

Outro dia encontrei um anúncio no OLX, posto por alguém que vendia 28 livros da colecção Baby Blues — aqueles mesmos que eu carrego debaixo do braço, qual intelectual insaciável, quer para a praia, quer para o campo, contrastando com quase toda a população que me rodeia, que ele é Kafka no original, Marquez em esperanto e Nabokov em mandarim, já eu, atravesso quer areias, quer terras, quer lodaçais com a minha rica BD em português, e não pensem que isto não me levanta, se não poeiras, pelo menos dúvidas relativamente à minha postura, que espero se mantenha vertical por muitos e bons anos. 
Aquilo tudo, estava pela módica quantia de 50 euros, o que, assim num relance matemático — que também os tenho —, me fez sonhar com os meus belos romances a cerca de menos de dois euros cada um. Dos 28, já possuía oito, passe a redundância, pelo que vai de oferecer 36 pelos 20. (Se fizerdes as contas em vossas calculadoras, chegareis à conclusão de que até fui generosa, pois que propus mais 3 cêntimos por cada um, que ele também me custa a ganhar.)
Não sei como, já que o anúncio era das 9 da noite de um dia e eu fiz a minha proposta às 8 da madrugada do dia seguinte, a colecção já estava, segundo o vendedor, apalavrada para outrem. Há gente que não dorme. (Literalmente.) No entanto, uma vez que aquele outro comprador não pretendia ficar com todos, ainda sobraram uns 5 dos primeiros 28. Desses cinco, como já tenho dois, combinei com o vendedor a compra dos três restantes, pela fortunaça de 6 euros. Há gente que nasceu para agiota. (Ou especulador.)
Lá fui, feliz, mas frustrada com o culminar da minha mega-compra, reduzida a micro (eu). Simpática, porque não sei ser de outra maneira, a não ser que me chamem mal educada (a sério, podem chamar burra, estúpida, feia, gorda, até magra, se quiserem. Mas mal educada aborrece-me), encontrei o vendedor e disse assim:
- Deixe-me cá ver os livros. Ai, adoro esta colecção. Estou a lê-la toda, é mesmo para mim, não é para oferecer. Já tinha dois ou três, e este ano, na Feira do Livro, comprei mais seis. Acho que foram seis, agora que falo nisso... mas sei que foi a preço reduzido, tipo comprava dois e trazia três, ou qualquer coisa assim. Bom, não interessa, sei que tenho para aí uns oito, mas até estou a entrar naquele modo de ter que fazer uma lista dos que já tenho, porque senão, qualquer dia, começo a comprar repetidos, o que, vindo de mim, não é nada de surpreendente. Tive muita pena de não ter ficado com a colecção toda, até podia comprar-lhe os que já tinha, e depois vendia os que já tivesse. Não percebo como é que aquilo aconteceu, então o João pôs o anúncio às 9 da noite e, no dia seguinte, às 8, já tinha os livros quase todos vendidos? É que foi mesmo azar. Agora vai ser uma dificuldade para encontrar quem venda assim uma data deles a este preço. Há lá uns quantos, que vendem um ou outro, a 7 euros cada um. E parece que todos vendem os mesmos, que é o número 1 e o "O regresso dos mortos de sono". Por alguma razão, ninguém quer esses dois. Eu também já os tenho, não vou comprar esses. 
João, o vendedor, estendeu-me a mão e disse:
- Não a canso mais.
E desapareceu no horizonte. (Exausto.)

09/09/2016

A propósito dos Jogos Paralímpicos

Mesma garra

Jet lag

Já saiu há dois dias e ainda não saí eu do jet lag, esta sonolência que não me larga, este ímpeto de dormir para que o tempo passe a voar, este ímpeto de voar até lá, contra a vontade dela, que tem que ser a minha agora. Ando a pairar, fora de mim, umas vezes rasante, outras a pique, mas ainda não consegui aterrar.

Obrigada, querida, por me fazeres sentir um avião.
[Há um lado positivo em quase tudo o que não é completamente bom.]


Hold me like you'll never let me go.

Ainda sinto aquele abraço, nem tão grande, nem tão apertado como são os das pessoas comuns — mas aninhado, duradouro, sentido e eterno. Ainda encaixas tão bem nos meus braços; vais sempre encaixar tão completamente no meu abraço.

I'll never let you go.

08/09/2016

Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar a passear à rua # 48

Lá iam, as três lampeiras, shopping center afora, ou melhor ainda, lá ia eu e cá vinham as três, pois que se encontravam atrás de mim. Falavam alto, animadas ou não, e dizia uma:
- Caralh* [aquilo da genitália masculina, cheio de alhos].
E logo outra:
- É caralh* [idem, meus santos ouvidos], filho da put@ e porra, a torto e a direito.
E a terceira, compactuante:
- Ya, podes crer, só dizem palavrões, detesto.

[Eu cá adorei, lampeiras.]

07/09/2016

Andei a estudar o coração, para saber

E olha, a minha atenção prendeu-se no facto de o coração se dividir em quatro partes, e depois não li mais nada, quando a explicação saiu do alcance das minhas emoções. O meu está assim há uns anos bons, são quatro partes iguais, exactamente com as mesmas dimensões, não há cá esquerda e direita, nem superior e inferior. O meu coração é um cubo, que se divide em quatro outros cubos perfeitos, perfeitamente uniformes.
Tenho andado a ver os aviões a atravessar o céu. Levas, na mala tão (tão!) pesada que te vi fazer com todo o cuidado, um quarto do meu coração, mas eu não fico com ele mais leve. Traz-mo intacto, que tanto preciso dele. Tanto preciso de ti.
[E agora, minha Mimi, quem é que vai implicar comigo nos próximos cinco meses, Oh, mãe!?]



Eu sou aquela pessoa que nunca, em circunstância alguma, deves levar a passear à rua # 47

Dxx que depilam o...

E também não percebi por que é que não escreveram Buco. Têm algum problema com o cê de cedilha, migues?

Amor no hospital — descubra as diferenças

Hospital de Faro

Hospital Júlio de Matos (Lisboa)

Eu ajudo: são declarações gravadas em cidades diferentes.

06/09/2016

Azul-parolo

Ao longe, avisto um homem alto e magro, figura que surge na intensidade do exagero de calor que ainda se faz sentir por cá. Veste um fato azul escuro. Parece um lorde inglês, aparenta-se àquela distância, um gentleman. Ainda assim, condoo-me por ele, pois bem sei o que estará a passar, já que, também eu, vesti calças hoje. São vermelhas, as minhas. Por associação de ideias ou não, vesti-as para ir dar sangue, ooolé! 
Vejo no homem um andar peculiar, enquanto se aproxima do meu carro e se dirige à passadeira que lhe fica defronte. Não é o andar de um lorde, afinal, pois que os lordes devem ter um andar à lorde. O azul do fato abriu entretanto, diante dos meus olhos abertos, é um azul mais vivo do que parecia ao longe. Azul, minha cor, cor tão minha, tem também um tom que se chama azul-parolo, e é azul-parolo o fato do homem. Tem riscas, o fato azul-parolo dele, as riscas no fato são tão típicas — são amarelas, as riscas do fato azul-parolo, também já os vi com riscas brancas. A gravata salta, rosa-choque, diante do meu choque, só preciso de lhe tirar a limpo os sapatos, salvo seja — neutros, pretos, com atacadores, nem bicudos nem redondos. Ao menos isso, nem tudo é mau, nem tanto ao mar, nem oito nem oitenta. Mas, de repente, as meias: azuis-clarinhas, azuis-bebé, azuis-cueca. Umas meias cor de cueca. As cuecas, certamente, cor de meias. Azul-parolo, que parolo.

05/09/2016

Axiomas que eu, sem querer, faço / Crónica de uma incursão numa grande superfície comercial, com óbvia saída sem compras

Ora bem:
1. O nariz delas está mais perto do sovaco, também delas, do que o meu;
2. Eu sinto-a;
3. Logo, é forçoso que elas a sintam.

No entanto, permanece a dúvida: como é que elas não sentem a própria bedunga?


04/09/2016

Três tristes polícias

No caminho para lá, pela avenida de Ceuta, limite de velocidade — com radar a controlar — de cinquenta à hora, a pessoa mete e mede a pata nos 55, incapaz de reduzir para 50, ai, que nervoso miudinho, e vem o carro da polícia a ultrapassar, a 60 ou mais. E não ia em marcha de emergência.

Belém
Impossível encontrar um lugar para deixar meu boi, domingo de 37 graus, o mundo inteiro na rua. Avisto um belo buraco, salvo seja, e vai de estacionar. Aparece o senhor agente da autoridade, óculos de sol pretos e opacos, até podia ser vesgo que eu não ia saber na mesma. E diz-me o vesgo:
- ...
- Não posso estacionar aqui? — Esta minha mania de entabular o diálogo, um dia, vai ser a minha perdição. 
- Está ali um sinal atrás que indica que esta zona é só para camionetes. 
(Olha o bruto, a diminuir no meu boi. E quem lhe diz que eu não o considero uma camionete? Com areia a mais para aquele Areias, também.)
- Tem graça, não vi. Mas vi aqui tantos carros estacionados, que...
- Eu só pergunto o que é que a senhora não viu.
Mariconso. 
Vidro para cima e ala, antes que fosse acusada do desacato que já me borbulhava nas borbulhas que não tenho. 
Estava ali parado, do outro lado da rua, à sombra, sem ter nada para fazer, tinha que vir armado em agente. Xô da minha vida.

Entrada do Palácio de Belém
Sensores de RX para verificação do conteúdo das malas. Resolvi dar uma de idosa. (Também me sabe bem. Deixem-me):
- Posso meter o telemóvel dentro da mala?
- Pode, minha senhora.
- E as coisas que vão lá dentro, não se estraga nada?
- Nada, minha senhora.
- Ai, que vergonha, vão ficar a saber de todo o lixo que vai lá dentro...
- Não se preocupe, minha senhora. A senhora não é diferente das outras.
- Isso é o que o senhor agente julga.

A raiva do mar

Vi-o assim, estendendo-se nervoso, salpicando tudo com gotas de pouca fé na Humanidade, cansado de Verão, farto de gentes, e pareceu-me aquilo contagioso. Atraída pelo abismo, como uma condenada sem rumo, quis sabê-lo ao perto e de perto, meti-me na vaga que me pareceu mais furiosa, e senti a poderosa e imensa massa de água a percorrer-me o corpo, desde a cabeça, sovando-me pelas costas afora, até me empurrar com estrondo e determinação para o fundo, de onde emergi certa da minha derrota, inconformada pela minha pequenez. 
Contagiada.


03/09/2016

Eu tenho problemas com tudo # 14

Este post devia chamar-se

Eu sou aquela pessoa a quem nunca, em circunstância alguma, deves chamar malcriada.

Era uma vez uma turma de faculdade, que queria comemorar uma data de décadas sobre a conclusão do curso. Vai daí, uns quantos voluntários deram corpo à tarefa e o corpo ao manifesto, e engendraram um local, apontaram baionetas para uma data, e depois as sinergias para enviar mails para todo o povo sobrevivente. 
(Fora de brincadeiras, aquela minha turma tem uma malapata qualquer, porque já morremos para aí dez por cento, só nos primeiros quinze anos após a conclusão. Cada vez que fazemos um jantar de turma, despedimo-nos uns dos outros com sincera pré eterna saudade, porque já sabemos que, no próximo, já faltarão mais uns quantos.)
Agora suponhamos que a pessoa se desleixou da resposta. A minha vida não é só aquilo, eu tenho afazeres: trabalho como uma louca (mesmo, só me falta usar um colete de forças), tenho uma mega-família, e tenho um blog. Não há tempo, propriamente, para mails sociais e para encaixar no esquema mental um jantar, assim vindo do tudo-nada. 
Um dia, um dos organizadores, mandou-me um mail a pedir uma resposta ao assunto. Ora, eu estava de férias, na praia, mal via o ecrã de chico-smart, mas questionei, delicadamente, "Quanto é que isso custa?".
E vem de lá uma bordoada, que eu nem consigo repetir. Ora, eu gosto muito de nadar, mas ainda não nado em dinheiro, e digamos que declinei.
Não contente, descontente, insatisfeito não sei se por eu me negar a participar em tão feliz ocasião — em que toda a gente aparece resplandecente em termos profissionais, ultra-bem na vida e mais que realizados, com um filho único que é um orgulho parental, ou vá lá que dois, panças e carecas por todo o lado —, mas a verdade é que me manda um mail de resposta em que me chama




...



...


malcriada
Pronto. 
Isto, vindo de uma pessoa que desconhece de todo em todo de que lado é que fica o guardanapo. E que é capaz de rachar uma conta de restaurante numa espelunca em Espanha, três dias depois de lhe ter sido oferecido um jantar no Pássaro Azul. 
Vai levar tanto tau-tau.
E não é desse. Livra.

(Entretanto, por coincidência ou não, dois dias depois do meu não, o jantar foi adiado um mês, para que todos possam comparecer. Explico, talvez através de BD, que daqui a um mês a minha vontade de gastar aquilo tudo num jantar folha-de-alface-mais-azeitona continua a ser zero?)

02/09/2016

Um blog por dia, nem sabe o bem que lhe fazia

São 66, os blogs que tenho no meu feed. Alguns, mais de 10 %, já não têm existência corpórea, ou seja, os seus autores abandonaram-nos há largos meses, ou mesmo anos. Outros, fecharam-nos, simplesmente. (O que não deveria ser assim tão simples quanto isso, mas é o que é.) No entanto, para mim, que sou uma agarrada sem eira nem beira às coisas incorpóreas da vida, todos eles, de uma forma — por amor, nem que seja à camisola que não é minha, mas que vesti, pois que sou desse estilo de vestir a camisola do outro, ao contrário dos que tiram a camisola para dar ao próximo — ou de outra — por mera carolice (o quão me irrita esta palavra, Zeus meu, mas uso-a, porque preciso tanto de me irritar como de me acalmar, em doses mais ou menos iguais), existem. Há também aqueles que frequento e não me estão no feed, mas isso são dramas e desamarras cá meus e minhas e chiu.
Agora apetece-me ter uma lista de blogs. Só ainda não sei onde vou colocá-la, se à direita (à esquerda, não ponho, já me basta o rato) ou em baixo. Bonita, bonita, era conseguir colocá-la logo abaixo do header, à tripa farta.
Então, pensei neste segmento de mercado, verdadeiro atractivo de visitas aqui ao coiso, multidões compactadas a empurrarem-se diariamente para virem cá espreitar: todos os dias ponho um. Não vou seguir nenhuma ordem, nem alfabética, nem preferencial, nem de antiguidade. Provavelmente, nem porei os 66, sob pena de ficar com uma lista gigante, e também porque não quero. Quando estiver de bom tamanho, paro.
A ordem será a arbitrária, que, conforme futebolisticamente sabeis, é a mais aleatória que existe, e, por isso, parece seguir critérios — insondáveis, é certo — de justiça.
Agora vou dedicar-me a construir a minha torre de Babel.
(Vou ter tantas chatices, Maria Alice.)


01/09/2016

Há dois meses agarrada ao mesmo trabalho

Se contar pelo calendário, é mais do que isso. 
(Este sofreu diversas interrupções, por motivos vários.)
Estás a cinco minutos de o terminar. 
E perdes a coragem. 
(Tenho a certeza que nunca poderia ser maratonista: na recta da meta, atirava-me para o chão e defecava naquilo tudo — taças, medalhas, prémios, fama.)

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Está ali escrito em cima de onde é que roubei isto

Agora vou ver onde é que arranjo nervos para acabar o colosso. Adeus.