02/07/2017

Capitã da areia

As praias parecem todas iguais, e são mesmo, naqueles pequenos pormenores do mar de areia, do mar eterno, do mar de gentes. 
Na praia da minha infância há muitas eu. Nem preciso de olhar para trás, para me ver com três anos de idade, o cabelo apanhado daquela mesma maneira, o calçãozinho pequenino, igual ao que vejo naquela menina, as casinhas pequenas — eu não construía castelos, moldava casinhas que se desfaziam igualmente —, os bolinhos feitos com forminhas de estrela do mar e de peixinho, numa desenfreada pastelaria que até achei boa ideia vender um dia a compradores invisíveis. Sem grande esforço, também me vejo aos catorze, aos dezasseis, já mulher, já enorme — eu sentia-me enorme, de repente com a altura com que fiquei para sempre —, fato de banho inteiro, cabelo comprido, e eu feliz a ir para o mar, e eu feliz a vir do mar, e eu feliz cheia de sol, a brincar com areia seca entre os dedos, já ela não se me moldava em bolos nem em casinhas de telhado insustentável. Vejo outras eu que já fui, os filhos pequenos pela mão, corpos paridores há pouco, a forma que tarda em regressar, e, mas também, o mar, o sol, a areia, outros castelos — ninguém constrói casinhas na areia —, que são os mesmos que eu ali deixei há anos.
Um dia, sei que vou ver-me hoje, exactamente como estou e como sou: igual. E serei eu na mesma, à mesma e a mesma, construída, rodeada de casinhas, naquela mesma areia.

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