04/10/2016

Não estico, não encaixo, não aguento

Daqui

Já foi há uns anos, mas ia jurar que foi ontem: apareceu-me doente, tinha umas dores, que depois passavam. Treinava intensivamente, usava uma mochila demasiado pesada, estava em crescimento. Foram nove meses a bater a todas as portas, ouvimos dores de crescimento, ouvimos ciática, ouvimos doença reumática, ouvimos artrite reumatóide, ouvimos costela rachada. Aliviada da mochila, a escola compreensiva, até colaborante, passou a andar no elevador das cadeirinhas de rodas, os colegas carregando os livros. Mas as dores cada vez maiores e mais frequentes, exames sem fim, noites intermináveis, até cairmos nas mãos de um especialista, no exame certo, que deu tumor. 
Lembro-me de pedir Não ma leves.
Saiu o mal, respirámos de alívio, e era para sempre, porque quem é pai e quem é mãe ainda acredita que isso é possível.
Há pouco tempo demais, o coma, a agonia, o desespero pelo acordar que tardava, minuto a minuto. Mais mil exames, mais cem diagnósticos, cada equipa que entrava era um renovar de terrores, pode ser isto e pode ser aquilo, e enquanto não se acerta com um diagnóstico, o tratamento não avança e o doente piora. 
Não ma leves.
Ela acordou, recuperou sem sequelas e nós respirámos de alívio, e era para sempre, porque quem é pai e quem é mãe ainda acredita que isso é possível.
Agora foi estudar para longe de casa. Não longíssimo, segundo a escala dos Homens, mas demasiado longe, pelos meus cálculos, a minha régua curta, os palmos que a palma da minha mão consegue dar. Pediu que lhe levássemos a prancha de surf, da última vez que nos encontrámos. Viu o mar de Peniche e agradou-lhe o mar de Peniche. 
O mar de Peniche.
O. mar. de. Peniche.
Não ma leves.
Respirar de alívio? Era para sempre, porque quem é pai e quem é mãe ainda acredita que isso é possível?



6 comentários:

  1. Nunca é para sempre, verás!

    Um abraço muiiiiiiiiiiiitoooooo apertado :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Já estou a ter uma amostra...

      Outro, Mary :)

      Eliminar
  2. As mamãs acham sempre que os filhotes estão longe... :) e que ainda são pequeninos.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. E que não se cuidam, e que passam necessidades, e mais uma infinidade de dramas :)

      Eliminar
  3. Anónimo4/10/16

    Eu sei, sou mãe de duas pessoas que nasceram há 18 e 20 anos, ou seja, ontem, há dez minutos. Respira-se de alívio de vez em quando, depois regressa-se ao estado habitual :)

    Abraço
    Paula

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Aquilo é um complô que elas fazem contra nós, certo? :)
      Juro que não sei como é que aguento, Paula.
      Abraço, obrigada

      Eliminar