23/07/2016

Cisne negro

Ela é toda enorme. Tem seguramente o dobro do meu volume, se não um pouco mais, e o de quase todas as pessoas que frequentam o ginásio, menos dela própria. Sei que deixou África pelo chocolate da pele e pelo cantar crioulo ao telemóvel, que a acompanha para todo o lado. Frequenta aulas de seguida, risonha e extenuada. Passados muitos meses, não perdeu um grama da imensa corpulência, mas terá ganho muitos de festa interior, ou não fosse também para isso que todos lá estamos. 
Hoje, no balneário, estávamos à distância de quatro cacifos uma da outra. Quando entrei, tocava nas colunas uma kizomba com cheiro a morna, você é linda, que me deu uma logo reprimida vontade de dançar. Ela encontrava-se junto do cacifo dela, tinha o espelho a uns três metros de distância, e fazia exactamente o que eu seria incapaz, esquecida do ambiente, indiferente às cabeças das gentes em volta: dançava. Por alturas do refrão, acompanhava também, você é linda, e, no espelho, via certamente bambolear-se uma figura linda, esbelta e inebriada. O meu cacifo estava posicionado de maneira a que, para lhe chegar, teria que me interpor entre ela e a imagem. Quando o fiz, percebi que, de alguma maneira, ocultei com o meu corpo, que é metade, todo o dela, que é o dobro, pois que parou de dançar, parou de cantar, confusa de ter perdido o delgado reflexo, apesar de a música continuar a repetir você é linda.

2 comentários:

  1. Não acho piada a quem impoe a musica a cada pausa que dá. Acho bom essa alegria - que é mascarada, mas acho feio o não se respeitar que o espaço é de todos. Uma coisa é esporadicamente colocar musica outra é sempre. Se se quer sempre, que se use phones de ouvido.

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    1. A música era a das colunas do balneário, não foi ela quem a pôs :)

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