09/09/2015

Tragicómica

Para desmistificar a ideia fixa que poderia estar a desenhar-se no meu espírito acerca da questão "nódoas no vestido verde: sim ou não?", hoje vesti-o. Há uma mancha que sobrevive, mas que fica na ponta da saia. Eu noto-a porque sei onde ela está. Iludo-me de que não ficou nenhuma na parte de trás, 
Olhos que não vêem...
Nas costas dos outros vejo as minhas
Tudo impecável.
Foi uma estupidez tê-lo metido em óleo. Perdi a conta a quantas vezes o lavei depois disso, e o cheiro não saiu. Como tudo na minha vida, nomeadamente quanto ao resultado das minhas ideias brilhantes, isto, em não podendo ser trágico, anda rés-vés com o cómico. Não me sai este pensamento da cabeça: sinto-me uma batata frita. 
Uma batata quente.
~
Há dias em que não a encontro. Entro, dizem-me Está ali, mas, nesse dia, não está. Sou a manicure, mas só manicure. Levo a bolsinha transparente com tudo o que faz falta — mesmo como uma manicure a sério —, e, fora dela, todas as coisas que fazem ainda mais falta, mas que não cabem na bolsa. Já são muitas as vezes em que falha o abraço, falham os ataques de beijinhos, falham os sorrisos, e tem que ficar tudo resguardado para os gestos e os silêncios. Parece-me que tanto faz ir todos os dias, ou uma vez por mês, que só quem faz o registo sou eu. E as unhas, que crescem e lascam, e dizem-me, como saudades e punhais, 
Tens que cá vir de todas as vezes que cá vens.
~
Vou a sair, batata frita, batata quente, manicure — e sinto-me horrível —, quando me chama o senhor do Amor e me pede, delicadamente, que lhe dê um golpe numa das unhas, falhada. Palavras que não se dizem ali dentro, diz-me o instinto: velho, morte, acabado, fim, falhado. Procuro um sinónimo à pressa, enquanto lhe pego na mão e na tesoura, e sai-me, aos soluços de fritura, Sim, está lascada. De uma, passa a duas unhas lascadas e, subitamente, as dez precisam de um jeito. E já uma outra me pede que lhe corte uns pêlos que lhe saem de um sinal da cara. Por segundos, sinto-me em casa, a acorrer a várias pessoas ao mesmo tempo. Termino as minhas tarefas, recolho a tesoura e preparo a fuga. Vários sinais perscrutadores me indicam setas para o senhor do Amor e para a repetição do senhor Queimado nesta minha vida que é uma tragicomédia. 
Casa-te comigo, Mariazinha.
Não sabes, Mariazinha, mas eu estava apaixonado por ti, quando me disseste aquilo... fiquei tão triste... 
Pergunta-me,
Quanto é que eu lhe devo, minha senhora?, 
e isso dá-me vontade de rir, mas só sorrio. 
Olhos que vêem...
Estou frita. Não posso com mais esta batata quente. Já são muitas nódoas, não vou suportar mais uma.
... coração que sente.



4 comentários:

  1. Anónimo9/9/15

    esse coração estala de generosidade, daí , ter que arrefecer um pouco para trabalhar como manda a anatomia:"tum-tum; tum-tum...."
    Beijinho, Linda Blue.
    Boa noite,
    Mia

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    1. Oh, que querida, Mia... às vezes sou tão parca...
      Beijinho, boa noite para ti.

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  2. Querida Linda Blue,
    Do vestido, não percebi senão que era verde, como os olhos verdes. Os olhos verdes são peixes luminosos, como sabe. Há um mar de cuidado por aqui. E os olhos iluminam-se com o verde que veste.
    Bem-haja,
    Outro Ente.

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    1. Querido Outro Ente,
      Há um mar, um rio, um lago, um aquário, gotas de água unidas no tal cuidado dos peixes luminosos, para que nunca se façam em lágrimas essas águas.
      Obrigada.
      Um beijo de boa noite,
      Linda Blue.

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