12/06/2015

Arrisquei a vida cinco vezes, mas trouxe de lá três livros

Pensando eu que pela última vez este ano, meti-me na Feira do Livro eram 10 da noite. Uma vez que a Feira fecha às 11, preparei-me para uma incursão rápida, certeira e letal. Tipo um tirinho no escuro. Já desisti de lá ir à tarde, e andar a ombrear com famílias em peso pesado, mais cigarros e algodões doces, tudo a dirigir-se-me numa fatalidade de força magnética, como pólos opostos que somos. 
Levei comigo a minha companheira literária, pessoa da minha safra, que, apesar de contar vinte primaveras neste planeta, são cerca de duzentas e várias lá no dela, já que soma 471 livros lidos no seu goodreads, não contando com os da Anita-Martina-ai-a-minha-vida, o que, contas feitas por alto, é bem capaz de suplantar em alguns todos aqueles que eu li ao longo dos meus longos 84 invernos de cheias e trovoadas (lá estou eu. Isto não se atura). 
Portanto, equipei-me com a melhor companhia e aí vai disto. 

Todos os stands da Feira têm multibanco, eu não pretendia comer pipocas nem algodão doce — não porque não me apetecesse, mas porque quero chegar à praia magra como um cão sarnento e leishmanioso —, pelo que não me muni de dinheiro. À chegada, apercebi-me que o parque de estacionamento era pago, ao contrário do que aconteceu há uns dez dias, da última vez que lá estive, que foi também a primeira. O facto de ter apenas uma moeda de 20 cêntimos no porta-moedas e de a Feira não ter um único multibanco no raio (raios!) de um quilómetro, não me impediu a incursão feirante, tão-pouco me toldou a gula livreira, apesar de saber que, em querendo levantar dinheiro, caso quisesse voltar mesmo para casa na volta da volta, teria que ir até ao Marquês de Pombal, atravessando as avenidas. Entraves que não se erguem a quem já está no ponto L.

O meu alvo eram os alfarrabistas, derivados à penúria em que me movimento com alguma alegria nesta realidade económica. Uma espécie de pelintra, mas contente, adaptação livre daquele ditado povino. Pois que, com a módica (para vós, que eu cá transformo logo tudo em bifes mentais) quantia de 13 euros, consegui a façanha-patranha de adquirir três-livros-três, e todos de calibre upa.


Senti-me tão intelectual que não resisti a comprar um saco pink com a face do Fernando na face. Sou tão gaja.

Faltavam dez para as 11 da noite, a Feira a querer fechar e eu sem dinheiro para pagar o parque.
Malcomunadas, mas bem combinadas, deixei a minha criação no recinto (agora pergunto: haverá em mim uma Kate Mccann? E respondo: não. Eu sou morena. E nem melgas mato, sou a vergonha da espécie, de todas as espécies) e toda eu era charme quando alcancei as avenidas, malinha da Tous num ombro, saco do Pessoa carregado com seis livros no outro. E foi a partir daí que me sucederam, sucessivamente, cinco riscos de vida:

1. No atravessamento da avenida Fontes Pereira de Melo, tinha no encalce, pré-cavalitas, um agarrado, quase agarrado à minha Tous, daqueles que tem escrito na testa "Eu cá sou ladrão", que eu me vi e desejei para me livrar dele, saltitando-lhe, qual cabra montês, para fora do alcance das vistas e da manápula;
2. No multibanco do Marquês, encontrei dois senhores com ar de quem não tem nada para fazer àquela hora, que se tomariam de amores imediatos, talvez por mim, o que não arrisquei e rodei os saltos altos cerca de 180 graus;
3. No multibanco da Fontes Pereira de Melo, mal as portas de vidro se abrem, encontro dois lazy à portuguesa, mais o cão, tudo deitado no chão, pelo que caguei na minha segurança e levantei ali dinheiro, uma vez que só tinha uma de duas: ou arriscava ser assassinada e degolada e esventrada e violada, ou ficava ali, a viver com aqueles três, para não ter que me chatear mais a levantar dinheiro e ir para casa, como as outras pessoas. No entanto, saí de lá viva;
4. No regresso, cruzou-se comigo um obeso mórbido, muito coxo e de língua de fora (acho que saiu de dentro de um livro de Dickens), que, assim que me viu, começou a dirigir-se-me e a despejar a lata, ssssssssssss, que foi um saralho para me desviar do mamute debandante;
5. O pagamento do parque de estacionamento faz-se... fora do parque! Ou seja, é preciso levar o carro até à entrada, passar a cancela a pé, e ir pagar a uma máquina, que se encontra à entrada, mesmo ao lado de uma casota, onde está sentado um senhor, cuja função na vida é contar moedas (e que passou, automaticamente, para a categoria só-a-mim-não-me-saem-empregos-destes, sem estágio nem nada). Para se alcançar a dita máquina, é preciso subir um degrau com cerca de meio metro de altura, o que me desencadeou mais um pequeno tourette, para gáudio dos presentes naquela bicha:
         - Olha agora, para além da ilógica de ter que pagar fora do recinto do parque, ainda tenho que subir às paredes? Rappel a esta hora não estava bem nos meus planos...


2 comentários:

  1. Anónimo12/6/15

    E no meio de tanta história, só me ocorre dizer... Penino! :) ahah, sempre presente!

    Boas leituras

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    1. E podia lá escapar-me um livro com aquele título? Enfim, a descrição do evento é que ia dando em pepineira :)

      Obrigada, pois serão.

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