04/12/2014

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Começo a viagem e entro em apneia. Dispara-me o coração. Estou a começar a ganhar automatismos. Faço check in a mim mesma: combustível, moedas para o estacionamento, lima, corta-unhas, verniz - as mãos da minha mãe são tão bonitas -, hoje não lhe levo flores, as outras ainda estão frescas, terceira, quarta, quinta, acelero até à via verde, baixo para quarta, passo a via verde, volto à quinta, acelero até lá chegar, o coração descompassado, é sempre assim à ida para lá, entro e num fio de voz quase infantil, peço "A minha mãe...", preparo-me para aquele cenário de filme, cruzo a porta e o coração pára-me. Não me preparei. Ninguém está preparado. Assim como não vemos os filhos crescer, também não vemos os pais envelhecer. Um dia uns saem-nos porta fora, os outros saem-nos vida fora, mas não voltam. Diante do que vejo, obrigo-me com ameaças a manter-me de olhos secos. "Vais borrar o rímel". Volto a ligar o piloto automático, preciso de manter-me inteira. Arranjo-lhe as unhas. Não falamos, mas as nossas quatro mãos não se largam. Olho à volta, abraço-me a ela e volto a ter cinco anos. "Mamã...", e desabo num pranto inconsolável. Estão vinte pessoas naquela sala, e eu, a única adulta capaz de andar pelo seu pé e seguir um raciocínio mais ou menos lógico, choro como uma criança. Estou a dizer adeus, não posso adiar mais isto. Aprendi há muitos anos, e a duras penas, que as despedidas se devem fazer no tempo delas. E eu estou a aproveitá-la, a mexer-lhe e a cheirá-la, a abraçá-la e a tê-la tanto quanto posso, porque a vejo a sair da minha vida fora, para não mais voltar.